sábado, 22 de fevereiro de 2014

A lenda do dia e da noite




No princípio do mundo, não havia nem noite nem lua. Apenas o sol brilhava triste e solitário.
Em sua imaginação, o sol criava as quatro fases da lua, e ficava triste aos vê-las lentamente desaparecer.
Olhando eternamente o sol, todos lamentavam não existir a noite e, por este motivo, os animais não conseguiam dormir.
Corria a lenda entre os antigos Karajás de que a noite vivia prisioneira dentro de um coco de tucumã, guardado no mais fundo dos rios pela Boiúna, a grande serpente. 
Naquela época, aconteceu o casamento de Tuilá, filha da Boiúna, com o índio Aruanã. 

Certa vez, Aruanã disse à sua mulher Tuilá estar muito sonolento, mas que não conseguia dormir, pois não havia noite. Com pena do marido, a índia resolveu enfrentar aquele mistério, e daí seguiu por um caminho secreto que só ela e sua mãe, a Boiúna, conheciam.     

Para encontrar a noite, era preciso que a índia invocasse a sua mãe com um chocalho mágico, guardado pelo peixe jaraqui no fundo do igarapé. 

Tuilá entregou finalmente o chocalho mágico a Aruanã. Misteriosamente apareceu o sapo Arutsã, que logo alertou o índio a jamais abrir o coco sem a ajuda de sua mulher. 

E, assim, o índio partiu à procura da noite, numa longa viagem ao desconhecido.

A fim de ajudar Aruanã, o jacaré Arurá disse-lhe que a casa da Boiúna ficava logo abaixo da primeira arara vermelha que ele avistasse no céu. Agradecido, o índio seguiu viagem. 

Ao perceber a arara vermelha no céu, Aruanã sacudiu o chocalho na esperança de chamar a grande serpente.    

Ao chegar perto, Boiúna, a grande serpente, disse para o valente índio que já sabia o que ele procurava, e que por isso trouxera do fundo do rio o coco de tucumã, a ser aberto apenas na presença de sua filha Tuilá.   

   - Mas tenha cuidado! Jamais tente abrir sozinho este coco. Resista às tentações!...

   - Advertiu novamente a grande serpente. 

   - Eu o fechei com cera de abelha.

   - E, se ele for aberto longe da minha filha Tuilá, todas as coisas se perderão. 

Aruanã partiu então de volta para a aldeia.     

Em meio a longa viagem, o índio ouviu um estranho ruído dentro do coco, despertando a sua curiosidade. Mas nisso, surgiu uma voz do alto de um galho. Era o pássaro Anu-guassu que o advertia: 

   - Não esqueça o que falou a grande serpente. Se você abrir o coco, tudo se perderá. Temeroso, o índio continuou sua viagem de volta. 

Tomado novamente de forte curiosidade, Aruanã quis abrir o coco, mas foi mais uma vez alertado, agora pelo peixe Jaraqui:

   - Cuidado! Tuilá entregou-lhe o chocalho em confiança. Se você abrir o coco, tudo se perderá, e você se perderá também.         

   Apesar de tantos conselhos, o índio não resistiu à curiosidade e foi à margem do rio fazer uma fogueira, a fim de derreter a resina que vedava o coco. 

Ao abrir o coco, tudo se transformou em noite. A natureza mergulhou na mais profunda escuridão e logo foi povoada pelos terríveis habitantes das trevas. 

Em plena escuridão, Aruanã seguiu tristemente sua viagem de volta, arrependido por não ouvir tantos conselhos e ter causado a noite eterna. E retornou à aldeia, com vergonha de encontrar a sua mulher. 

Finalmente, Aruanã encontrou Tuilá e lhe devolveu o chocalho mágico. A índia, mais uma vez com pena do marido - o perdoou e disse-lhe: 

   - Não se preocupe. Das trevas eu irei criar o dia e a noite. De um lado terá o luminoso Sol, e  do outro, a Lua e as Estrelas.     

Ao chegar a um pequeno riacho, Tuilá fez do barro um boneco em forma de pássaro, e disse: 

   - Tu serás o Cajubi, o pássaro que anunciará a separação eterna do dia e da noite. 

E logos as trevas tornaram-se noites, e dela surgiu a luz. Os dois enamorados, Aruanã e Tuilá, sob a proteção da noite e das estrelas, puderam então se encontrar, dormir e ter muitos filhos. E, assim, a tribo dos Karajás começou  a ser povoada.       


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