No princípio do mundo, não havia nem noite nem lua. Apenas o sol brilhava triste e solitário.
Em sua imaginação, o sol criava as quatro fases da lua, e ficava triste aos vê-las lentamente desaparecer.
Olhando eternamente o sol, todos lamentavam não existir a noite e, por este motivo, os animais não conseguiam dormir.
Corria a lenda entre os antigos Karajás de que a noite vivia prisioneira dentro de um coco de tucumã, guardado no mais fundo dos rios pela Boiúna, a grande serpente.
Naquela época, aconteceu o casamento de Tuilá, filha da Boiúna, com o índio Aruanã.
Certa vez,
Aruanã disse à sua mulher Tuilá estar muito sonolento, mas que não
conseguia dormir, pois não havia noite. Com pena do marido, a índia
resolveu enfrentar aquele mistério, e daí seguiu por um caminho secreto
que só ela e sua mãe, a Boiúna, conheciam.
Para
encontrar a noite, era preciso que a índia invocasse a sua mãe com um
chocalho mágico, guardado pelo peixe jaraqui no fundo do igarapé.
Tuilá
entregou finalmente o chocalho mágico a Aruanã. Misteriosamente apareceu
o sapo Arutsã, que logo alertou o índio a jamais abrir o coco sem a
ajuda de sua mulher.
E, assim, o índio partiu à procura da noite, numa longa viagem ao desconhecido.
A fim de
ajudar Aruanã, o jacaré Arurá disse-lhe que a casa da Boiúna ficava logo
abaixo da primeira arara vermelha que ele avistasse no céu. Agradecido,
o índio seguiu viagem.
Ao perceber a arara vermelha no céu, Aruanã sacudiu o chocalho na esperança de chamar a grande serpente.
Ao chegar
perto, Boiúna, a grande serpente, disse para o valente índio que já
sabia o que ele procurava, e que por isso trouxera do fundo do rio o
coco de tucumã, a ser aberto apenas na presença de sua filha Tuilá.
- Mas tenha cuidado! Jamais tente abrir sozinho este coco. Resista às tentações!...
- Advertiu novamente a grande serpente.
- Eu o fechei com cera de abelha.
- E, se ele for aberto longe da minha filha Tuilá, todas as coisas se perderão.
Aruanã partiu então de volta para a aldeia.
Em meio a
longa viagem, o índio ouviu um estranho ruído dentro do coco,
despertando a sua curiosidade. Mas nisso, surgiu uma voz do alto de um
galho. Era o pássaro Anu-guassu que o advertia:
- Não
esqueça o que falou a grande serpente. Se você abrir o coco, tudo se
perderá. Temeroso, o índio continuou sua viagem de volta.
Tomado novamente de forte curiosidade, Aruanã quis abrir o coco, mas foi mais uma vez alertado, agora pelo peixe Jaraqui:
- Cuidado!
Tuilá entregou-lhe o chocalho em confiança. Se você abrir o coco, tudo
se perderá, e você se perderá também.
Apesar de
tantos conselhos, o índio não resistiu à curiosidade e foi à margem do
rio fazer uma fogueira, a fim de derreter a resina que vedava o coco.
Ao abrir o
coco, tudo se transformou em noite. A natureza mergulhou na mais
profunda escuridão e logo foi povoada pelos terríveis habitantes das
trevas.
Em plena
escuridão, Aruanã seguiu tristemente sua viagem de volta, arrependido
por não ouvir tantos conselhos e ter causado a noite eterna. E retornou à
aldeia, com vergonha de encontrar a sua mulher.
Finalmente,
Aruanã encontrou Tuilá e lhe devolveu o chocalho mágico. A índia, mais
uma vez com pena do marido - o perdoou e disse-lhe:
- Não se
preocupe. Das trevas eu irei criar o dia e a noite. De um lado terá o
luminoso Sol, e do outro, a Lua e as Estrelas.
Ao chegar a um pequeno riacho, Tuilá fez do barro um boneco em forma de pássaro, e disse:
- Tu serás o Cajubi, o pássaro que anunciará a separação eterna do dia e da noite.
E logos as
trevas tornaram-se noites, e dela surgiu a luz. Os dois enamorados,
Aruanã e Tuilá, sob a proteção da noite e das estrelas, puderam então se
encontrar, dormir e ter muitos filhos. E, assim, a tribo dos Karajás
começou a ser povoada.
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